Por
Janethe Fontes
Embora o ato
de escrever, por si só, já tenha sido considerado subversivo, sobretudo quando
produzido por determinados gêneros (mulheres e homossexuais) ou grupos sociais
(negros, índios, etc), o fato é que a escrita também já foi bastante produzida
– e em alguns casos ainda continua sendo – para ‘manter padrões’ e/ou reforçar estereótipos,
mesmo que de forma inconsciente.
Como exemplos
disso, eu poderia citar as revistas femininas e artigos produzidos sobre
comportamento feminino no início do século XX, que hoje nos parecem ‘piadas’
devido às aberrações tidas como regras de etiqueta/comportamento! Também
poderia fazer referência a alguns livros que reproduziram preconceitos
horrendos e que até hoje são lidos sem uma crítica ideal dos valores
apresentados. Mas vamos nos focar na literatura contemporânea brasileira.
Afinal, quantos
livros nacionais você já leu onde, ao menos, um dos protagonistas é moreno,
negro, gordo (ou gordinho), índio ou homossexual? Poucos, né?
Mas num país
onde seu povo é, em grande parte, mestiço, não parece estranho que apenas 7,9% dos
personagens sejam negros e menos de 0,5% sejam índios, conforme nos aponta Regina Dalcastagnè
em seu estudo sobre a “Literatura brasileira contemporânea”?
O estudo
ainda aponta que dos 258 livros estudados, 73,5% dos personagens negros são
pobres e 20,4% são bandidos.
Quanto ao
perfil dos escritores brasileiros: 93,9% são brancos. 72,7% são homens e 78,8%
possuem ensino superior.
E porque essa
discrepância entre a literatura e a diversidade brasileira? Simples! Porque a
literatura é, na verdade, apenas um reflexo da sociedade que, apesar de suas
verdadeiras origens, ainda contém muito do pensamento eurocêntrico. Além disso,
como a venda de livros estrangeiros no Brasil ainda é muito grande (bem maior
do que o que é produzido aqui, em terras tupiniquins), muitos autores acabam ‘por
copiar’/reproduzir personagens com características europeias. Afinal, esse é um
padrão de vida e beleza que nos foi imposto há bastante tempo e não é fácil
romper.
Ou seja, faz-se
necessário ‘abrasileirar’ a literatura brasileira.
A literatura,
como tem sido produzida por aqui, apenas ‘cultua’ valores e ideias de outros
povos, que, em muitos casos, são bem diferentes dos nossos.
A crítica que
faço não é para que meus pares se sintam ofendidos, injustiçados ou afrontados.
Ao contrário disso! Até porque temos um mercado literário ainda muito complexo,
onde os literatos penam muito para ter seu trabalho publicado e, sobretudo,
valorizado.
Além disso, a
concorrência que enfrentamos com ‘o que vem de fora’ beira o desleal, pois
enquanto obras estrangeiras, advindas da Europa e USA, são trazidas para cá ‘com
toda pompa e circunstância’ e expostas em todas as vitrines das grandes
livrarias, a literatura brasileira fica, muitas vezes, relegada aos cantos mais
escondidos dessas mesmas livrarias.
Vejam que o
mesmo tratamento pomposo também não é dado à literatura africana, asiática ou
latino-americana. Como exemplo, cito a escritora, ativista LGBT muçulmana,
jornalista e apresentadora de televisão, naturalizada canadense, Irshad Manji
(Uganda, 1968), que é uma das signatárias do Manifesto: Juntos contra o novo totalitarismo, cujas obras são pouco
conhecidas no Brasil. Haveria outros inúmeros exemplos que não caberia aqui se
fosse citá-los.
Enfim, o
problema é bastante complexo, pois envolve um público leitor que ainda não
aprendeu a valorizar o que é produzido por seus conterrâneos (apesar disso
estar mudando lentamente). Mas também não estou acusando os leitores e tampouco
as editoras e livrarias, acredito apenas que ‘romper com as regras do mercado’
e produzir uma literatura mais heterogênea, que fale de ‘nós mesmos’, de nosso
hábitos e costumes, talvez (e apenas talvez, já que não tenho certeza de nada),
seja um diferencial que ainda não aprendemos a explorar em nossa literatura.
Quem sabe quando isso acontecer, a literatura brasileira consiga ‘aparecer’ e
assim atrair não só as editoras mas também um público leitor que se identifique
verdadeiramente com as personagens?
Importante:
Enquanto produzia este artigo, coincidentemente, um amigo meu publicou (em seu
facebook) um artigo da Revista Forum com a notícia de que o Conselho Superior
da Fundação São Paulo, mantenedora da PUC, recusou a criação da Cátedra Michel
Foucault no início deste ano.
Segundo Marcelo Hailer, que produziu o artigo para a revista,
a “censura e intervenção contra a criação da Cátedra foi deliberada
pelo Conselho Superior, órgão máximo constituído pela reitora Ana Cintra,
bispos da Arquidiocese de São Paulo e o cardeal dom Odilo Scherer.”
De acordo com
relatos, a censura se deu por que os pensamentos do filósofo “não coadunam com
os valores da igreja”. O que espanta, ainda de acordo com Marcelo Hailer, é que o Conselho Superior
tenha levado mais de 40 anos pra descobrir isso, visto que a PUC-SP é
internacionalmente conhecida pelos vários estudos e grupos de pesquisa ligados
à sua obra. Portanto, a censura do Conselho se dá por dois motivos: 1) Moral:
Michel Foucault era homossexual, crítico da igreja e foi uma das primeiras
pessoas públicas a morrer de aids na França; 2) Político: apesar da PUC ser uma
referência em estudos foucaultianos, a universidade não tinha um ligamento
oficial com o filósofo, a partir do momento em que a Cátedra fosse criada, a
instituição passaria a ser visitada por pesquisadores do Brasil e da América
Latina por conta dos áudios de seus cursos.
O que a gente
abstrai desse tipo de notícia? Bem, ao que parece, a subversão pode custar
muito caro ao artista que se atreve a lutar contra os padrões, contra o
pensamento linear. No caso de Michel
Foucault, sua opção sexual e política ainda incomodam muita gente...
Texto maravilhoso!
ResponderExcluirDois dos poucos livros que eu li sobre a adversidade é:
O Preço de ser Diferente e o outro "De frente com a Verdade". Ambos são da Autora Mônica de Castro. Porém infelizmente é mais comum encontrarmos livros padronizados.
Julianna, já ouvi falar bastante do primeiro livro... Deve ser um livro muito bom!
ExcluirObrigada por seu comentário. Bjks!