Por
Janethe Fontes
Muita
gente está falando do Estatuto do Nascituro (PL 478/07), apoiado na Comissão
de Finanças da Câmara, no dia 05/06/13 , e eu não queria ser “mais uma” a falar do
assunto. Mas depois de refletir bem, entendi que é, de fato, de extrema
importância que “muita gente” se expresse quanto ao assunto. Ou seja, quanto
mais barulho, melhor! Afinal, não estamos falando de um projeto qualquer, mas
sim de um projeto que, se realmente aprovado, poderá trazer transtornos graves às
mulheres, à sociedade em geral.
O
estatuto em questão é um erro inadmissível. E confesso que, como mulher, a possibilidade
de aprovação do Estatuto do Nascituro me assusta muito, mas muito mesmo, já que
o projeto prevê que o aborto seja proibido em qualquer situação, mesmo no caso
de estupro! Isto é, mesmo em casos em que uma menina/mulher for estuprada e
tenha ainda o azar de engravidar, independentemente da idade, ela será obrigada
a prosseguir com a gravidez. E o pior de tudo é que o estuprador, o criminoso,
poderá ainda reivindicar a "paternidade"(!!). Na realidade, mesmo
que o estuprador não queira “reconhecer-se” como pai, caso seja denunciado e
identificado, o genitor será responsabilizado e deverá pagar pensão
alimentícia; caso não seja identificado, a obrigação recai sobre o Estado. Isso
é simplesmente monstruoso, pois além da mulher ter de carregar o “fruto” da
violência sofrida, ela ainda será obrigada a manter “contato” com o
violentador!!!! Isso poderá acarretar situações extrema e juridicamente
absurdas, impensáveis, tal como o criminoso exigir a visita do filho ou filha
na cadeia.
Gente, isso pode acontecer com qualquer uma de nós. E se você que está
lendo este artigo for homem, lembre-se que poderá acontecer com sua mãe, sua
irmã, sobrinha ou mesmo com sua esposa!
Mas há
ainda outras aberrações nesse projeto, pois
além de revogar com as três únicas formas de abortamento induzido permitidas no
Brasil (gestação resultante de estupro, risco de vida para a gestante e, após
decisão recente do STF, feto anencéfalo), quer ainda criar a figura do aborto
culposo. Ou seja, mesmo em casos de aborto espontâneo, as mulheres
ficariam expostas à investigação (observem o artigo 23 que prevê a penalização
do aborto "culposo, não intencional). Não é realmente apavorador isso? Eu
que tive dois abortos espontâneos há cerca de oito/nove anos atrás, e sofri bastante
por isso, poderia até ser presa! Não bastaria, portanto, meu sofrimento, pois, caso
o projeto já estivesse em vigor na época, eu ainda seria investigada e, se não
provasse que não fiz nada que “provocasse” o aborto, realmente, poderia ter sido
condenada!!! E eu não estou exagerando! Veja o que diz Pedro Munhoz, advogado e historiador: Como
todos nós sabemos, a gestação é um processo extremamente delicado que demanda
da gestante cuidados especialíssimos com o seu corpo e a sua saúde,
dispensáveis, por outro lado, às mulheres não gestantes e à totalidade dos
homens. Aprovada a figura do aborto culposo, teremos que uma grávida em
situação de risco que faça um esforço excessivo, por exemplo, estará agindo com
imprudência e poderá ser condenada criminalmente. Pouco importa para a lei se a
mulher em questão seja bem informada ou mal informada ou se tem condições
materiais de cercar-se dos cuidados necessários para levar a cabo uma gestação
bem sucedida: a mulher condenada por aborto culposo deixará de ser primária e
carregará o ônus de uma condenação criminal, que servirá de obstáculo a ela na
hora de conseguir ocupar uma posição no mercado de trabalho, por exemplo.
Há, obviamente, grande expectativa que o
PL 478/07, devido à sua insconstitucionalidade, seja derrubado pelo STF e,
assim, não chegue a entrar em vigor, mesmo que passe pela Comissão de Justiça e
Cidadania e obtenha votação geral na câmara dos deputados, além da assinatura
da presidenta. Mas quem pode garantir isso?
Na versão
de 2007, havia ainda o risco de que pessoas favoráveis à descriminalização do
aborto fossem sujeitas a processo criminal por "apologia. Ou seja, queriam
calar qualquer voz destoante a qualquer custo! Mas a versão que foi aprovada em 05/06,
substitutivo que data de 2010, é menos absurda, mas, mesmo assim, bastante
questionável.
Vejam ainda que lei não apenas criminaliza qualquer ato
que possa causar danos ou morte a um embrião, como também proíbe o congelamento
de material embrionário para uso em pesquisas, prejudicando milhares de
pessoas que atualmente depositam suas esperanças de recuperação nas pesquisas
de células-tronco.
Gente,
não podemos nos calar. O Estado tem de ser LAICO e NÃO pode tomar decisões com base em contextos religiosos.
Por isso, se não fizermos muito barulho, com certeza, retrocederemos séculos em
nossos direitos. Então, se você deseja um país
realmente melhor, assine e divulgue a petição contra o Estatuto do Nascituro.
Adendo: Como disse Leonardo Sakamoto,
jornalista e doutor em Ciência Política, em seu blog,
“não há pessoa em sã consciência que
defenda o aborto como método contraceptivo. Aliás, essa ideia de jerico aparece
muito mais entre as justificativas daqueles que se opõem à ampliação dos
direitos reprodutivos e sexuais do que entre os que são a favor. A interrupção
de uma gravidez é um ato traumático para o corpo e a cabeça da mulher, tomada
após uma reflexão sobre uma gravidez indesejada ou de risco. Defender o
direito ao aborto não é defender que toda gestação deva ser interrompida. E
sim que as mulheres tenham a garantia de atendimento de qualidade e sem
preconceito por parte do Estado se fizerem essa opção. Mas aborto é mais do
que um problema de saúde pública. Negar a uma mulher o direito a realizá-lo é
equivalente a dizer que ela não tem autonomia sobre seu corpo, que não é dona
de si. Na minha opinião – e na de vários outros países que reconheceram esse
direito, ela tem sim prevalência a ele. É uma vergonha ainda considerarmos
que a mulher não deve ter poder de decisão sobre a sua vida, que a sua autodeterminação
e seu livre-arbítrio devem passar primeiro pelo crivo do poder público e ou de
iluminados guardiões dos celeiros de almas, que decidirão quais os limites
dessa liberdade dentro de parâmetros. Parâmetros estipulados historicamente por
homens.
Adendo II: Veja ainda que outros problemas tem o projeto: Segundo Bernardo Campinho, professor do Departamento de Ciências
Jurídicas da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e presidente da
Comissão de Bioética e Biodireito da OAB/RJ, O
artigo 12 do substitutivo aprovado traz uma proibição, de interpretação
ambígua: “É vedado ao Estado ou a particulares causar dano ao nascituro em
razão de ato cometido por qualquer de seus genitores”. Que
tipo de ato dos genitores autorizaria o Estado ou particulares causar dano ao nascituro? O projeto 478/2007 e seu substitutivo não
fornecem quaisquer indícios para delimitar o âmbito de abrangência do
dispositivo mencionado. A redação desse dispositivo é confusa e pode levar a
interpretações equivocadas, inconstitucionais e negadoras de direitos das
pessoas nascidas e vivas. Até porque ele não qualifica o dano nem
discrimina quais as condutas possíveis de causar este dano.
Há ainda risco de se entender, por
meio de interpretação sistemática e teleológica, que o aborto legal em caso de
risco de vida seria tacitamente revogado, o que consubstanciaria violação à
dignidade humana da mulher, dos seus direitos à vida e à integridade
psicofísica — todos constitucionalmente consagrados.
O texto original do PL 478/2007
traz ainda outros problemas e inconstitucionalidades: cria confusão em relação
ao exercício de direitos patrimoniais e de herança; estabelece o crime de
aborto culposo, proíbe pesquisas com células-tronco, veda qualquer manifestação
pública sobre liberalização do aborto e mesmo o estudo do fenômeno, violando a
liberdade de expressão constitucionalmente garantida.
Quer saber ainda mais sobre o assunto,
então leia:
Blog do Sakamoto:
Cebes – Centro Brasileiro de Estudos de
Saúde:
Site Viomundo:
Blog CFEMEA:
Não esqueça de assinar a petição:
NOTA IMPORTANTÍSSIMA: Artigo atualizado em 27/07/13, para explicar o PLC 03/2013:
Lamentavelmente, os direitos das mulheres estão em constante ameaça no Brasil. Neste
momento, o assunto em foco é a sanção do PLC 03/2013, o qual a
presidenta Dilma Rousseff tem até o
próximo dia 1º de agosto para sancionar integral, parcial ou vetar. De autoria da
deputada Iara Bernardi (PT), esse PLC regulamenta o atendimento a vítimas de
estupro. Há, porém, uma grande movimentação de setores religiosos e
conservadores no sentido de pressionar a presidenta para que ela vete ao menos
parcialmente o PLC. Correntes religiosas alegam que o projeto legalizará
o aborto no Brasil, o que é
uma mentira absurda e hedionda!
Por isso, com a finalidade de esclarecer
o projeto em questão, seguem alguns links para leitura. Leia atentamente e não se
esqueça de assinar a petição à presidenta Dilma Rousseff.
Olha como são as coisas. Você estava preocupada de ser mais uma a falar do assunto, mas na verdade, valeu a pena.
ResponderExcluirPasso muito tempo envolvida com meus projetos e fico longe de determinadas informações. Recebi a chamada do seu post em meu e-mail pelo Google+ e vim conferir.
Li seu artigo, assinei a petição, postei no Face e no Twitter.
Só para constar, se você não tivesse escrito esse post, muito provavelmente a alienada aqui nem ia ficar sabendo de um assunto tão importante.
Obrigada, Janethe.
Parabéns pelo blog.
Um grande abraço.
Graziella, obrigada por divulgar!! E que bom que gostou do texto. Bjs
ResponderExcluirOi Janethe, sem dúvida isso é um absurdo! Primeiro que na minha opinião a mulher deveria ter o direito de fazer o aborto seja por qual motivo desejar. O Estado deveria garantir antes de tudo sua saúde. Mas querer proibir até quando ela foi violentada, é violentar a mulher outra vez.
ResponderExcluirBjs, Rose.