06/06/2014

Príncipe? Que príncipe?! Você ainda acredita nisso?!


Por Janethe Fontes


Em pleno século XXI, muitas mulheres (jovens e também adultas) insistem em acreditar em ‘príncipes encantados’, por quê? Vou ‘tentar’ explicar essa pergunta, mas antes gostaria de mencionar uma frase que vi, não faz muito tempo, em um site. A pergunta era mais ou menos assim: “Que mulher não sonha com um homem rico, lindo, gentil e educado?” Faltou sarado, né? E, no mesmo site, dizia-se que “esse mocinho (o príncipe?!) mexe com o imaginário das mulheres, principalmente as mulheres de hoje, que tem vários papéis a desempenhar em um mundo que cobra cada vez mais por resultados...”(!) Não entendi exatamente o que uma coisa tem a ver com a outra, mas, deixa pra lá! Não vem ao caso.

Simone de Beauvoir afirmava que “tudo encoraja ainda a jovem a esperar do ‘príncipe encantado’ fortuna e felicidade de preferência a tentar sozinha uma difícil e incerta conquista... Os pais ainda educam suas filhas antes com vista ao casamento do que favorecendo seu desenvolvimento pessoal. E elas veem nisso tais vantagens, que o desejam elas próprias; e desse estado de espírito resulta serem elas o mais das vezes menos especializadas, menos solidamente formadas do que seus irmãos, e não se empenham integralmente em suas profissões; desse modo, destinam-se a permanecer inferiores e o círculo vicioso fecha-se... o trabalho é hoje uma corveia ingrata; para a mulher não é essa tarefa compensada por uma conquista concreta de sua dignidade social, de sua liberdade de costumes, de sua autonomia econômica; é natural que numerosas operárias e empregadas só vejam no direito ao trabalho uma obrigação de que o casamento as libertaria...” (BEAUVOIR, 1970, p.176)1



É difícil encontrar uma menina que nunca tenha se maravilhado e brincado de princesa, que não tenha sonhado com um príncipe encantado e um lindo castelo, que não tenha se fantasiado de princesinha. Isso faz parte do imaginário infantil. O problema é quando isso avança na idade... E as garotas continuam atrelando o feminino à docilidade, à submissão e ainda se expondo a um ideal de beleza (da princesa) que, na grande maioria das vezes, é impossível conseguir. Naomi Wolf (em seu livro O mito da Beleza) afirma que “quanto mais numerosos foram os obstáculos legais e materiais vencidos pelas mulheres, mais rígidas, pesadas e cruéis foram as imagens da beleza feminina a nós impostas” (WOLF, 1992, p.11)2. Ela afirma ainda que a maioria das mulheres, mesmo trabalhando e sendo bem sucedidas, é imersa em conceitos de beleza que promovem o ódio a si mesmas, obsessão com o físico e pânico de envelhecer, através da reprodução de milhões de imagens do que seria considerado ideal.

Além de tudo isso, penso que a perpetuação da ‘princesa que espera pelo seu príncipe encantado’ é um método cruel de apresentar o conservadorismo machista com uma “roupagem de encanto e beleza”. É uma forma “astuciosa” (nem um pouco inocente) de retroceder no tempo, onde a mulher, aquele ser submisso, ficava aguardando o seu “super-herói”, o seu “príncipe” vir salvá-la da solidão, dos desencantos da vida. Nada mais distante da realidade de outrora e do mundo moderno.

Fico até constrangida em ver tanta gente “intelectual” pregando essa ideia de príncipes e princesas. Até por que isso não existe na vida real. E parece até um contrassenso pensar que, hoje em dia, a mulher que trabalha, estuda, dirige, faz tantas outras coisas e que busca sua autonomia, está de alguma forma “aguardando por um príncipe”!

Também fico constrangida com tantos pais “criando/tratando” suas filhas (sobretudo adolescentes) como “princesas”, e em vez de educar, instruir essas garotas para que desenvolvam seus próprios potenciais, para que no futuro possam competir em nível de igualdade e consigam obter autonomia financeira e emocional, reforçam a ideia de dependência que só as prejudicará no futuro, incentivam suas filhas a buscarem um “príncipe encantado”, um “salvador”, que jamais existiu e nem existirá.

É até compreensível que muitas mulheres, independentemente da idade, associem a felicidade ao amor, mas é imprescindível entender que para ser feliz, não é necessário abrir mão dos seus objetivos, da sua independência. Muito pelo contrário disso!


“Elas [as princesas] também tinham lindos cabelos dourados, e Tiffany não. Seu cabelo era marrom, simplesmente marrom. Sua mãe dizia que era castanho ou, às vezes, castanho acobreado, mas Tiffany sabia que era marrom, marrom, marrom igual aos seus olhos. Marrom como a terra. E o livro trazia alguma aventura pra quem tinha olhos marrons e cabelo marrom? Não, não, não… só os loiros de olhos azuis e ruivos de olhos verdes ficavam com as histórias. Quem tivesse cabelo marrom provavelmente era um criado, lenhador ou algo assim. (...) Não poderia ser o príncipe e nunca seria a princesa. Ela não queria ser o lenhador, então seria a bruxa e saberia das coisas.”

(PRATCHETT, 2010)³



Indicações de leitura:




Referências bibliográficas:

¹ BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo – Fatos e Mitos. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1970.

² WOLF, Naomi. O mito da beleza. como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.

³ PRATCHETT, Terry. Os pequenos homens livres. Conrad do Brasil, 2010.

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Quando a última árvore cair, derrubada; quando o último rio for envenenado; quando o último peixe for pescado, só então nos daremos conta de que dinheiro é coisa que não se come".

(Índios Amazônicos)

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